Monday, December 04, 2006

O consenso ao longo da história

Do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em declaração a uma repórter da Rede Globo na última terça-feira (28/11): “O ideal é o consenso”.

Calheiros referia-se às negociações de bastidores com a oposição acerca da escolha da presidência da instituição para o início do segundo mandato de Lula. No mesmo dia o PFL acenava com a possibilidade, que se concretizou, de lançar o senador José Agripino Maia (RN) para o comando da Casa. O partido de Bornhausen alega que tem a maior bancada e, por isso, a ele deve caber o posto. Se os dois partidos, um na base governista e o outro na oposição, vão realmente chegar a um acordo, nem Brasília sabe. Mas a frase do peemedebista, dentro ou fora do contexto, me chama a atenção. Ao longo da história das doutrinas e teorias políticas, o consenso, o diálogo, o acordo (os tratarei aqui com a mesma significação, que me perdoe Houaiss) não foram igualmente vistos como o ideal a se atingir. Detenho minha análise em três pensadores que viam a ação de formas diferentes: Maquiavel, Rousseau e Hannah Arendt.

Nicolau Maquiavel, dos três acima citados, é aquele que foi mais radicalmente contra a idéia de consenso. Na verdade, o italiano da Renascença não era contra o consenso, mas acreditava que era impossível alcançá-lo em virtude do caráter dos homens. O autor de O Príncipe (1513) referia-se às pessoas como “ingratas, inconstantes e falazes, ansiosas por evitar perigos e ávidas de ganhos, e enquanto lhes sois útil estão do vosso lado, oferecendo-vos seu sangue, seus bens, sua vida e seus filhos enquanto o perigo está distante...quando ele se aproxima, porém, vos dão as costas.” Em outra passagem de sua obra, diz que os príncipes devem manter a palavra apenas quando lhes é vantajoso, devem ser dissimulados e às vezes desleais. Ora, se os indivíduos possuem tal personalidade e os soberanos devem agir dessa forma, o diálogo, além de não ser benéfico, é impossível.

Maquiavel foi o verdadeiro nome da realpolitik. Tratando o mundo com ceticismo e realismo, até pessimismo, excessivos, ele preocupava-se com o fim e não com os meios. Dedicou sua obra e seu pensamento a favor da Unificação da Itália e, para obtê-la, não importaria que os meios não fossem os mais dignos de aplausos. O que valia era o fato de que o fim era extremamente louvável.

Um dos pensadores mais influentes do Iluminismo, o suíço Jean-Jacques Rousseau, tinha uma visão bem diferente da de Maquiavel sobre o consenso. Tal questão, na obra do teórico, esteve inserida na doutrina do “contrato social”. Por esse sistema, o cidadão abre mão de certas coisas que lhe pertencem para conseguir uma contrapartida do Estado.

Na obra O contrato social (1762), Rousseau reivindica um novo contrato, firmado sobre bases diferentes do atual. Isso porque o pensador acreditava que o homem era bom e feliz em seu estado natural e fora corrompido pela civilização baseada na propriedade privada (idéia que faz com que ele seja considerado um dos precursores do socialismo). Assim, os indivíduos trocam seus direitos por falsos valores, configurando-se um contrato social fraudulento. O contrato social idealizado pelo autor deveria emanar do indivíduo, sendo que ele abriria mão de seus direitos em troca de uma liberdade verdadeira que estivesse de acordo com as leis impostos por eles a eles mesmos e que chegariam a um consenso. Dessa forma, para Rousseau o consenso teria o papel de estabelecer as leis entre os homens, as quais não seriam impostas por nenhum dirigente poderoso, mas levariam à realização da vontade geral, diferente da vontade do indivíduo e da soma das vontades particulares.

Entretanto, para Rousseau, a vontade geral pode falhar, pois a maioria das pessoas precisa de um líder que promova seus interesses. Bertland Russel, com base nessa última idéia de Rousseau, considerou-o um dos precursores do totalitarismo.

Por falar em totalitarismo, poucos filósofos tão bem estudaram esse sistema de governo quanto a alemã Hannah Arendt, uma das principais teóricas do século XX. Em As origens do totalitarismo (1951), ela procurou estabelecer as bases pelas quais os regimes totalitários (Hitler e Stálin) se firmam, e diferenciá-los de autoritarismo e ditaduras.

Seriam condições ao totalitarismo o apoio irrestrito das massas pelo uso abusivo da propaganda estatal, o imperialismo, a burocracia, as polícias secretas e o poder sustentado pelo uso do terror.

Já em As origens do totalitarismo, Hannah faz menção à noção de consenso, mais precisamente ao consenso legal, ou consensus iuris, de Cícero. Para a autora, os monstruosos crimes dos regimes totalitários partiram, principalmente, do rompimento consciente do consensus iuris que, como lei internacional, constitui o mundo civilizado da modernidade por ser a base das relações internacionais. Hannah diz que tal consenso é fundamental e básico, mesmo porque um criminoso só pode ser julgado com justiça se dele fizer parte.

Mas a questão do consenso em Hannah Arendt aparece definitivamente na A Condição Humana (1958). No livro, a pensadora enfatiza o papel da política como ação e como processo na busca da liberdade. Para ela, a vida política só existe em sociedade (na dimensão humana do vita activa) e o consenso é essencial e imprescindível para a conquista da liberdade e de outros valores. Como não existem normas fixas, nem uma verdade universal, tudo depende do acordo e do diálogo.

Assim, entre Maquiavel, Rousseau e Hannah Arendt, a filósofa alemã é, sem dúvida, aquela que concordaria com a frase de Calheiros de que o ideal na política é sempre o consenso.

Saturday, November 25, 2006

Impasses do novo Governo

Do presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, na abertura da reunião do Diretório Nacional, neste sábado (25/11), em São Paulo: "Construímos uma ampla base de partidos e facções de partidos, que ampliou-se ainda mais nos últimos dias, criando bases concretas para a constituição de um Governo de Coalizão capaz de dar mais radicalidade e conseqüência ao programa de transformações sociais iniciado em 2003.
O Governo de Coalizão não é um condomínio baseado na distribuição fisiológica de cargos. É antes um compromisso com um programa. É a possibilidade de encontrar um terreno comum para uma ação transformadora que o Brasil espera há muito e que tem adeptos em toda a sociedade, em quase todos os partidos.
"
Primeiro, sobre a base de partidos aliados, o novo Governo deve ser composto por uma coalizão do PT com sete partidos: PC do B, PSB (em uma adesão natural), PMDB (a maior bancada no Congresso, que é governo desde Sarney), PL, PP, PTB e talvez o PV.
Ter o apoio de tantos partidos para formar sua coalizão tem contrapartida, com nome e endereço: a Esplanada dos Ministérios. Difícil será evitar que o Governo de Coalizão não se transforme em um "condomínio baseado na distribuição fisiológica de cargos", com disse Marco Aurélio Garcia.
Mais difícil ainda será, como prometeu Lula, não promover uma "despetização" do Governo tendo que agradar a tantos partidos buscando uma aliança que em nenhum momento é programática. E, além de tudo isso, reeleger Aldo Rebelo na Presidência da Câmara.
Talvez a resolução dos impasses venha a queimar alguns petistas, como Henrique Fontana (PT-RS), que propôs na última semana o aumento do salário dos deputados em mais de 30%.
Mas apesar de todas as dificuldades inerentes ao jogo político, a articulação política petista vem conseguindo bons resultados. Às vesperas do início do segundo mandato, as alianças ficam cada vez mais consolidadas e o PT dá sinais de que garante as principais pastas do próximo Governo. Dilma Roussef, Guido Mantega e Tarso Genro devem continuar no alto escalão do Governo. O empresário Gerdau perde a cada dia sua futura influência. De próximo Ministro da Fazenda, já foi cogitado para o Desenvolvimento e deve ficar, se confirmado, com o Planejamento, sendo que Paulo Bernardo deve ser remanejado à outra pasta do primeiro escalão. Nelson Jobim, ao que tudo indica, vai para a presidência do PMDB, e o Ministério da Justiça permanece com o PT. Nada mal.

Thursday, November 16, 2006

O fator Presidência da Câmara


Em 8 de novembro de 1955, assumiu a Presidência da República Carlos Luz. Presidente da Câmara dos Deputados, Luz chegou ao cargo máximo da República após a morte de Getúlio Vargas, um ano antes, e o afastamento do vice Café Filho, por problemas de saúde. Se eu disser que, de lá pra cá, o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados nunca ganhou tanta importância como agora, às vésperas do início do segundo mandato do Governo Lula, seria desrespeitoso com meu leitor, por fazer uma afirmação que pressupõe de seu autor vastos conhecimentos de História, o que não é o meu caso. Mas posso dizer que o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados se tornou, após a confirmação da vitória lulista, o fator decisivo da articulação política do partido hegemônico para sua segunda gestão.
Não digo que aquele que exercer o cargo que nos últimos quatro anos passou por João Paulo Cunha (PT), Severino Cavalcanti (PP) e Aldo Rebelo (PC do B), deve chegar ao posto de Presidente da República definitivo, como chegou Carlos Luz. As chances de isso acontecer são extremamente remotas. Mas a doença do vice José Alencar e a insistência da oposição em tentar melar uma vitória legítima nas urnas com o pedido de impeachment pelo dossiegate, elevam a importância do comando da Câmara.
Nesta semana, por exemplo, Aldo Rebelo assumiu interinamente a Presidência da República. Mas o principal motivo para Lula apoiar a permanência do comunista no cargo é o papel que este pode desenvolver como único responsável por decidir sobre o andamento dos pedidos de impeachment por parte de PSDB e PFL.
O que não está fácil é convencer o PMDB. O partido conseguiu a maior bancada de deputados e alega que, por esse motivo, deve fazer a Presidência da Câmara.
Tais fatos revelam o impasse, ou dor de cabeça, de Lula. O presidente precisa decidir, caso não tenha estratégia melhor, se interfere nas decisões e faz Aldo novamente o presidente da Câmara, contrariando seu aliado mais importante em futuras votações no Congresso, ou se desperdiça um posto estratégico em nome da aliança, diga-se de passagem, nada programática.

Friday, November 10, 2006

A Partilha


E está aberta a temporada de caça ao Ministério. Quarta-feira (8/11) Lula anunciou que o PT já tem o cargo mais importante do Governo, dando sinais de que, no segundo mandato, devem ser concedidas mais pastas aos partidos da base aliada. Saúde e Transportes, com grande investimento previsto para os próximos quatro anos e forte apelo social, são as mais disputadas na partilha da Esplanada.
Com exceção do PC do B, e um pouco do PSB, que devem formar com o partido uma coalizão mais "programática", o que faz o PT entregar cargos quase do mesmo jeito que se dá presentes de aniversário a certos partidos é a famigerada questão da "governabilidade".
As dificuldades que o Governo encontrou durante todo o primeiro mandato, assim como já as encontra nas primeiras semanas de votações na Câmara após as eleições, para aprovar projetos e MPs, explica um pouco por que o PT se alia com partidos sem nenhuma ligação ideológica com a esquerda e que vendem seus votos sem qualquer tipo de constrangimento. Vale dizer que apenas duas medidas provisórias, das dez que estiveram na pauta do plenário na última semana, foram aprovadas. Fica como outro exemplo da dificuldade de se governar sem maioria a não aprovação do Fundeb, um dos principais projetos da gestão Lula na Educação.
Mas há sérios problemas nas alianças, o PMDB está no governo desde a redemocratização. PP, PL, e PTB compõem a maioria da imensa bancada de mensaleiros e sanguessugas. A aliança com tais partidos explica um pouco também como o Governo Lula manchou-se com escândalos de corrupção.
Para o próximo mandato, o PMDB deve abocanhar quatro Ministérios, hoje tem três. Os outros devem ficar com um cada, alguns com dois. Já os petistas brigam para manterem o que conseguiram no primeiro mandato: as mais importantes e bem-sucedidas pastas. Vai ser difícil.
Mas ainda que se consiga agradar a todos, principalmente o PMDB, de imensa bancada, ainda não é certa a tal governabilidade. Aí entra o PSDB.
Mesmo depois do desgaste das eleições, conversas com o tucanato agradam aos estrategistas do Planalto. Sabem bem que para aprovar as principais emendas dos últimos quatro anos foi necessário o apoio de parte da oposição.

Friday, November 03, 2006

Cabo-de-guerra

A capa da Carta Capital, revista que tão bem conhece o PT, desta semana, traz bem o tom do início do segundo mandato do presidente Lula. Um verdadeiro cabo-de-guerra entre, principalmente, seis integrantes do alto escalão do atual poder para implantarem, desenvolvimentistas ou monetaristas, o que cada grupo acredita ser a política econômica ideal para o novo mandato.
De um lado, a nova (que não é nada nova, já divergia no primeiro mandato) corrente desenvolvimentista, ou os "enquadrados" por Lula no início da semana por terem apoiado o "decreto" do fim da era Palocci: o ministro das Relações Institucionais Tarso Genro, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Roussef e o ministro da Fazenda Guido Mantega. Os três já não escondem, exceto quando Lula os repele, que são contrários e preconizam o fim da política econômica ortodoxa de Palocci. Travam, nos bastidores, a saída de Henrique Meirelles do Banco Central. Fizeram as contas e viram que se o governo continar a reduzir 0,5 ponto percentual a cada dois meses a taxa de juros, o país chegará aos 7% só em 2007 e não conseguirá crescer os 5% necessários (esses sim já viraram consenso).
Do outro lado, o desejo de todo o mercado financeiro: a corrente monetarista, encabeçada por Meirelles, o ministro do planejamento Paulo Bernardo e que segue a política de Antonio Palocci, que começa o novo ano como deputado federal eleito por São Paulo.
E Lula? De que lado fica? Antes mesmo de dizer ou acenar para qual lado é favorável, um dia após ser reeleito Lula já dizia que ele mesmo determinava a política econômica. Uma forma de atenuar divergências públicas e desgastantes para qualquer mandato. Nos bastidores, por informação de quem conhece a fundo o Governo (Kennedy Alencar, da Folha de S.Paulo, por exemplo), Lula ainda sente-se "órfão" de Palocci, ou do Paloccismo. Sabe que a habilidade do ex-ministro foi a grande responsável por aquilo que ele chama de "convergência de fatores positivos nunca antes vistos na história do país": o crescimento da economia (apesar de pífio, o maior dos últimos anos), a criação de mais de cem mil empregos por mês em média, a inflação baixa e as exportações batendo recordes. Lula sabe também que Guido, Gerdau, Pimentel, ou quem quer que seja, podem não conseguir crescer os 5% que Palocci conseguiria. E a verdade é essa: apesar de não ser hoje muito bem quisto por grande parte do partido, o ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP) só saiu devido ao desgaste político do caseirogate. Não fosse outra das burradas monumentais de pessoas do PT (a quebra do sigilo bancário de Francenildo), Palocci continuaria reinando absoluto no Planalto, isso se não continuar por suas idéias.

Wednesday, November 01, 2006

Ao primeiro leitor

Ao primeiro leitor, que deve ser eu mesmo, entra agora na rede Jogo Político.
O nome não poderia ser outro, mesmo por ser um blog criado por um jornalista esportivo, sempre atento a qualquer disputa, e que procura analisar com realismo e ceticismo todos mecanismos envolvidos na vida política. Os atritos entre governo e oposição, as estratégias tomadas por atores importantes do poder e os interesses, seja da imprensa, do setor financeiro ou dos partidos, serão comentados com total independência neste espaço. Mas acima de tudo, a fiscalização dos atos dos governantes deve marcar forte presença por aqui, já que, seja qual for o jogo, a função do jornalista é sempre cobrar que a população saia como a grande vencedora.